sábado, 6 de novembro de 2010

TCHAMBULI

(TCAMBULI) - DA NATUREZA DAS FUNÇÕES SEGUNDO O GÉNERO

O facto de existirem reais diferenças fisiológicas e biológicas entre os homens e as mulheres leva a que frequentemente se suponha que a fisiologia e a biologia são directamente responsáveis por essas diferentes formas de comportamento. Argumenta-se, geralmente, que os comportamentos usualmente adoptados pelos homens e pelas mulheres não são de origem social, mas natural, e assim se torna fácil dizer de algum modo antinaturais as pessoas que não se comportam de acordo comas maneiras que delas se esperam, em função do sexo a que pertencem. Porém, Margaret Mead, num livro famoso – "Sex and Temperament in Three Primitive Societies" – mostrou, utilizando exemplos escolhidos nos seus estudos na Nova Guiné, que muitas das diferenças entre os sexos, correntemente atribuídas a factores biológicos, ê de facto origem social. (...) O próprio facto biológico de serem as mulheres quem dá à luz as crianças é socialmente minimizado: os homens deitam-se junto das mulheres imediatamente a seguir ao parto e, mediante um processo de auto-sugestão, que parece ter efeito tanto no homem como na mulher, o homem “toma sobre si” grande parte da fadiga da mulher, diminuindo assim o seu sofrimento. E, no entanto, nesta sociedade os trabalhos pesados cabem às mulheres, que se supõe estarem “naturalmente” dotadas com cabeças especialmente fortes para esse fim. Segundo Margaret Mead, a falta de agressividade dos Arapesh explica-se pela prática do desmame tardio e pelo facto de qualquer criança poder ser amamentada indiferentemente por qualquer mãe capaz de aleitar, quer seja a sua, quer não. No seu livro, Margaret Mead compara os Arapesh com os Mundugamor, uma tribo de caçadores de cabeças, recentemente “pacificada”, que habita uma zona não muito distante da ocupada pelos Arapesh. Ora entre os Mundugamor a agressividade é uma característica fortemente acentuada, quer dos homens, quer das mulheres, e manifesta-se com igual intensidade nos dois sexos. Daí que, por exemplo, o acto sexual assuma aspectos de um verdadeiro combate entre o homem e a mulher, do qual ambos saem molestados. Procurando explicar este tipo de comportamentos, Margaret Mead – recorrendo, tal como no caso dos Arapesh, a elementos extraídos das teorias psicanalíticas –, relaciona-os com a forma como as crianças Mundugamor são tratadas, referindo nomeadamente que são objecto de uma extrema desatenção, que os adultos lhes mostram muito pouco afecto e que não poucos primogénitos são afogados. Simplesmente, tentando ir mais a fundo da questão, julgamos necessário propor outra perspectiva para a abordar: a de que tanto as diferentes características (quanto à agressividade) dos Arapesh e dos Mundugamor como as suas diferentes maneiras de criar e educar os filhos estão relacionadas comas diferentes formas como as duas sociedades tiveram de obter os alimentos indispensáveis, o que para elas sempre constituiu uma preocupação constante, dado manterem-se ao nível da mera subsistência. Os Arapesh extraíam da terra, cultivando-a, a sua alimentação; historicamente, os Mundugamor obtinham-na, em grande parte, matando gente de outras sociedades vizinhas. A agressividade não aparece naqueles, mas é muito relevante nestes. Numa outra tribo estudada por Margaret Mead, a dos Tchambuli, alguns dos atributos frequentemente imputados aos homens e às mulheres nas nossas sociedades apreciam estar a inverter-se. Os homens enfeitavam-se, faziam intrigas, deixavam-se escolher pelas mulheres, cabendo a estas fazer as propostas sexuais, bem como assegurar todo o comércio de que a sociedade dependia, apesar de os homens produzirem muitos objectos comerciados. As mulheres mostravam-se dominadoras e agressivas, sendo entretanto comum a homossexualidade feminina. Tentando, uma vez mais, explicar estes comportamentos, Margaret Mead aponta o facto de as crianças do sexo feminino serem sempre tratadas sem aspereza e aduladoramente no interior do círculo das mulheres e de, pelo contrário, os rapazes serem rejeitados desde tenra idade, ficando como entregues a um desprezo geral durante bastante tempo e tornando-se assim indivíduos permanentemente inseguros e em constante busca de afecto. Porém, se de novo procurarmos aprofundar a questão, uma outra perspectiva se nos impõe para a abordar: os Tchambuli eram caçadores de cabeças; mas, por alguma razão ainda não identificada, que talvez haja sido o alto valor atribuído por outras tribos aos mosquiteiros que os Tchambuli aprenderam a fabricar, a caça de cabeças perdeu muito da sua antiga importância. Ora, dado que os homens se tinham especializado como caçadores de cabeças, a alteração ocorrida na divisão do trabalho na sociedade deixou-os sem uma posição claramente definida.

Papalagui

As muitas coisas tornam o Papalagui mais pobre
No início do século XX o chefe indígena Tuiavii, chefe de tribo de Tiavéa, da ilha Samoa, na Polinésia, fez uma visita à Europa por ocasião da apresentação dos povos ultramarinos ao imperador alemão (nessa altura a referida ilha Samoa era território da Alemanha).
Tuiavii ficou tão impressionado com o que viu que decidiu partilhar a experiência com o seu povo através de vários discursos, proferidos em tom muito crítico, onde contou os costumes e hábitos do Papalaguí (homem branco). Esses discursos foram publicados por Erich Sheurmann, alemão que viveu naquela época com a referida comunidade indígena.
É um desses discursos que hoje transcrevo. Um texto com cem anos, proferido por um homem “sem instrução” e ainda hoje nos faz pensar (a mim faz) se realmente temos necessidade de tantas «coisas».
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Podereis reconhecer também o Papalagui pelo seu desejo de nos fazer crer que somos pobres e miseráveis e que necessitamos de muita ajuda e piedade, em virtude de não possuirmos «Coisas».
Queridos irmãos destas muitas ilhas: permiti que vos diga o que é uma «coisa». A noz de coco é uma Coisa, o enxota-moscas, o pano, a concha, o anel, o prato da comida, o adorno da cabeça são outras tantas coisas. Mas há duas espécies de coisas. Há coisas que o Grande Espírito cria sem nós vermos e que nos não exigem, a nós, humanos, qualquer esforço ou trabalho, coisas tais como a noz de coco, a concha e a cabana, e há coisas que os homens criam, que exigem muito esforço e trabalho, tais como o anel, o prato ou o enxota-moscas. Pretende então o alii (1) que são estas coisas criadas pelas suas próprias mãos, as coisas humanas, que nos fazem falta; pois não é possível que se esteja a referir às coisas criadas pelo Grande Espírito. Quem, realmente, será mais rico e possuirá mais coisas do Grande Espírito do que nós? Passeai os olhos à vossa volta, até ao longínquo horizonte, onde a grande abóbada azul se apoia na borda da terra: está tudo cheio de grandes coisas – a floresta virgem com os seus pombos selvagens, os seus colibris e periquitos, a lagoa com os seus pepinos do mar, as suas conchas, as suas lagostas e outros animais aquáticos, a praia com o seu rosto claro, a pele macia da areia, o grande mar capaz de imitar o guerreiro furioso, capaz também de sorrir como uma taopoú (2), a grande abóbada azul diferente de hora para hora, semeada de grandes flores que nos dão uma luz ora doirada ora argêntea. Para quê ser parvo, para quê criar ainda mais coisas para além das coisas sublimes que o Grande Espírito nos dá? Nunca, mas nunca, poderemos nós igualá-lo, porquanto o nosso espírito é demasiado pequeno e demasiado fraco para se medir com o poder do Grande Espírito, e a nossa mão demasiado fraca para se medir com a sua mão magnífica e possante. Tudo quanto fizermos será medíocre, nem sequer vale a pena falar nisso. Com a ajuda de um pau podemos alongar o nosso braço, com a ajuda deu ma tanoa (3) aumentar o côncavo da nossa mão, mas nunca Samoanês ou Papalagui algum fez uma palmeira ou um tronco de kava.
O Papalagui julga-se na verdade capaz de obrar tais coisas, julga-se tão forte como o Grande Espírito. Eis porque, do nascer ao pôr-do-sol, milhares e milhares de mãos mais não fazem do que fabricar coisas, coisas humanas cujo sentido ignoramos e cuja beleza desconhecemos. O Papalagui procura inventar sempre novas coisas. As suas mãos tornam-se febris, o seu rosto, cor-de-cinza, e curvadas as suas costas; mas os olhos brilham-lhe de felicidade sempre que consegue uma nova coisa. Logo todos a querem ter, todos a adoram e a celebram com cantos na sua língua.
Oxalá, irmãos meus, me acrediteis quando vos digo: eu descobri o que se oculta por detrás dos pensamentos do Papalagui, eu vi o que ele pretende, tão claramente como ao sol do meio-dia. Destruindo, por onde quer que passe, as coisas do Grande Espírito, pretende ele, pelas suas próprias forças, fazer reviver o que mata e persuadir-se a si mesmo que é o Grande Espírito criador das várias coisas.
Imaginemos, irmãos, que de repente surge a grande tempestade e arranca a floresta virgem e as montanhas, com todas as suas folhas e árvores, e leva à sua frente todas as conchas e os animais da lagoa; imaginemos que não mais haverá flores de ibisco para as nossas donzelas enfeitarem os cabelos, que tudo, tudo quanto está à vista desaparece, que só nos resta a areia, e que o solo se assemelha à palma da mão estendida ou a uma colina pela qual escorreu a lava incandescente: lamentaríamos então ter perdido tudo -as palmeiras, as conchas, a floresta virgem. Pois precisamente onde se erguem as inúmeras cabanas dos Papalaguis – esses sítios a que eles chamam «cidades» – o solo está tão árido como a palma da mão! É por isso que o Papalagui perdeu o trambelho e brinca ao Grande Espírito para esquecer o que não tem. Como é assim pobre, e a sua terra triste, apodera-se das coisas, colecciona-as como um louco que apanhasse folhas murchas e com elas enchesse a casa. Mas é também por isso que ele nos inveja e deseja que nos tornemos pobres à semelhança dele.
É sinal de pobreza o homem precisar de tanta coisa mostra, com isso, que é pobre em coisas do Grande Espírito. O Papalagui é pobre porque está obcecado pelas coisas. Já não pode passar sem elas. Quando ele, das costas da tartaruga, faz um instrumento para alisar os cabelos (depois de lhes aplicar um óleo), logo de seguida faz ainda uma pele para esse instrumento, um pequeno baú para pôr a pele e mais um baú grande para pôr o baú pequeno. Há baús para os panos, para os tecidos de cima e os tecidos de baixo, para os tecidos de limpar o corpo, tecidos para cobrir a boca e outros tecidos mais, baús para pôr as peles para as mãos e as peles para os pés, baús para o metal redondo e para o papel forte, baús para as provisões e para o livro santo, numa palavra: para tudo quanto há. De todas as coisas faz ele inúmeras coisas, quando uma só bastava. Quando entramos numa cabana-cozinha europeia, vemos uma porção de pratos de comida e de utensílios de cozinha que nunca são usados. Para cada alimento há uma tanoa diferente, uma para a água, outra para o kava europeu, mais outra para a noz de coco e outra ainda para o pombo.
Numa cabana europeia há sempre tantas coisas que, mesmo que todos os homens de uma aldeia de Samoa carregassem mãos e braços com elas, nem assim conseguiriam levar tudo. Há, numa única cabana, tão grande número de coisas, que a maior parte dos chefes de tribo Brancos necessita de imensos homens e mulheres que outra coisa não fazem do que pôr essas tais coisas no seu lugar e limpar a poeira que as cobre. E até a taopoú mais importante gasta grande parte do seu tempo a contar as suas inúmeras coisas, a mudá-las de um lado para o outro e a limpá-las. Sabeis, irmão, que eu não minto, e que vos digo toda a verdade tal como a vi, sem tirar nem pôr. Crede que há na Europa homens que encostam a arma de fogo à sua própria fronte, pois preferem deixar de viver do que viver sem coisas. Porque o Papalagui embriaga o seu próprio espírito de toda a maneira e feitio e, assim, convence-se a si próprio que não pode viver sem coisas, do mesmo modo que um homem não pode viver sem comer.
É por isso que eu nunca encontrei na Europa uma cabana onde pudesse instalar-me, onde nada me impedisse de estender os membros em cima duma esteira. Todas as coisas lançavam chispas e tinham cores tão berrantes que eu não conseguia pregar olho. Nunca encontrei verdadeira tranquilidade e nunca senti, como então, tantas saudades da minha cabana de Samoa, onde só o que há uma esteira e um rolo de dormir, onde só o que chega até mim é a suave brisa do mar.
Quem tem poucas coisas considera-se pobre e isso fá-lo sentir-se triste. Não há Papalagui algum que seja capaz de cantar e mostrar um olhar feliz se apenas possuir, como nós, uma esteira para dormir e uma tanoa para comer. Muito se lamentariam os homens e as mulheres do mundo branco se vivessem nas nossas cabanas! Tratavam logo de ir buscar madeira à floresta; traziam depois carapaças de tartaruga, e vidro, e arame, e pedras de todas as cores, bem como outras coisas mais; as suas mãos não paravam, de manhã à noite, até a cabana de Samoa ficar repleta de pequenas e grandes coisas, coisas que se decompõem, todas elas, rapidamente, que um fogo ou uma chuvada tropical bastam para destruir, de modo que é sempre preciso tornar a fazer outras.
Quanto mais realmente europeu for um homem, mais necessidade terá de coisas. Eis a razão por que as mãos do Papalagui nunca param de fazer coisas. A razão por que o rosto dos Brancos se apresenta geralmente cansado e triste, por que só muito poucos gastam tempo com as coisas do Grande Espírito, e a jogar no largo da aldeia, e a compor e cantar canções joviais, ou a dançar ao domingo, em plena luz do dia, ou a fruir dos seus membros de todas as formas possíveis, como a nós nos é dado fazer, é que eles têm sempre coisas a fazer. E coisas a guardar. Coisas que se fincam, que se agarram a eles como as formiguinhas das praias. Para se apropriarem das coisas, cometem toda a espécie de crimes, sem que isso lhes afecte o ânimo. Guerreiam-se, não porque a sua honra esteja em jogo, ou para medir forças, mas apenas por cobiça das coisas de outrem.
Apesar disso, todos eles têm consciência de quão pobre é a sua vida; senão, não haveria tantos Papalaguis venerados por terem levado a vida inteira amolhar cabelos em líquidos de várias cores e a pintarem assim belas imagens sobre esteiras brancas. Esses copiam todas as belas coisas criadas por Deus, com todos os cambiantes de cor e toda a sincera alegria de que são capazes. Criam terra mole, desprovida de panos, raparigas de belos movimentos livres como os da taopoú de Matautu (4) ou figuras de homens brandindo clavas, retesando o arco ou espiando pombos na floresta. O Papalagui constrói também grandes cabanas de festa especialmente para esses seres humanos de barro, que as gentes vêm de longe visitar, a fim de fruírem da sua divina beleza.
Envoltos nos seus muitos e grossos panos, os visitantes postam-se diante dos homens de barro e estremecem de emoção. Vi Papalaguis chorarem de alegria à vista de uma tal beleza, que eles mesmos perderam. E eis que, hoje, os homens brancos querem trazer-nos os seus tesouros, as suas coisas, para também nós nos tornarmos ricos! Contudo essas coisas não passam de setas que envenenam mortalmente o peito daquele que é atingido. Ouvi um Branco que conhece bem a nossa terra dizer: «Temos que levá-los a ter necessidades!» Necessidades, quer dizer coisas! E acrescentou depois esse homem inteligente: «Só então é que eles ganharão de facto gosto pelo trabalho!» E propôs-nos que empregássemos também a força das nossas mãos a fazer coisas, coisas para nós, é claro, mas, acima de tudo, coisas para ele, Papalagui! Como se também nós devêssemos ficar derreados, envelhecidos e curvados!
Irmãos destas muitas ilhas: temos que tomar cuidado e permanecer vigilantes, pois as palavras do Papalagui parecem bananas doces, mas estão cheias de dardos ocultos, feitos para matar toda a luz e alegria que há em nós. Não esqueçamos nunca que, à parte as coisas do Grande Espírito, de poucas coisas mais necessitamos. Ele deu-nos olhos para vermos as suas coisas. Ora é necessário mais que uma vida para um homem as ver todas. Nunca da boca do homem branco saiu mentira maior do que esta que ele diz: «As coisas do Grande Espírito não servem para nada; só as coisas do homem são úteis, as mais úteis!» Por mais numerosas, por mais refulgentes, brilhantes, sedutoras e aliciantes que sejam, nunca as coisas do Papalagui tornam mais belo o seu corpo, mais brilhantes, os seus olhos, mais apurados os seus sentidos. As coisas dele não servem, pois, para nada; e por conseguinte, o que ele diz e tenta impor-nos vem directo do espírito mau, os seus pensamentos estão imbuídos de veneno.
 O Papalagui, Discursos de Tuiavii Recolhidos por Erich Scheurmann
(1) alii – Amo, cavaleiro
(2) taopoú – virgem da aldeia
(3) tanoa – recipiente de madeira com vários pés, no qual se prepara a bebida nacional
(4) taopoú de Matautu – aldeia de Upolo
NOTA: Papalaguii é o homem branco referido pelo autor do texto, o chefe indígena da Polinésia, Tuiavii. Estes discursos foram traduzidos e publicados por Erich Scheurmann, alemão que conviveu com a comunidade referida no início do século XX. Tuiavii visitou vários países europeus por ocasião da apresentação dos povos ultramarinos ao imperador alemão na data referida.

TRIBUS DE I MO - NORTE DE AFRICA

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