(TCAMBULI) - DA NATUREZA DAS FUNÇÕES SEGUNDO O GÉNERO
O facto de existirem reais diferenças fisiológicas e biológicas entre os homens e as mulheres leva a que frequentemente se suponha que a fisiologia e a biologia são directamente responsáveis por essas diferentes formas de comportamento. Argumenta-se, geralmente, que os comportamentos usualmente adoptados pelos homens e pelas mulheres não são de origem social, mas natural, e assim se torna fácil dizer de algum modo antinaturais as pessoas que não se comportam de acordo comas maneiras que delas se esperam, em função do sexo a que pertencem. Porém, Margaret Mead, num livro famoso – "Sex and Temperament in Three Primitive Societies" – mostrou, utilizando exemplos escolhidos nos seus estudos na Nova Guiné, que muitas das diferenças entre os sexos, correntemente atribuídas a factores biológicos, ê de facto origem social. (...) O próprio facto biológico de serem as mulheres quem dá à luz as crianças é socialmente minimizado: os homens deitam-se junto das mulheres imediatamente a seguir ao parto e, mediante um processo de auto-sugestão, que parece ter efeito tanto no homem como na mulher, o homem “toma sobre si” grande parte da fadiga da mulher, diminuindo assim o seu sofrimento. E, no entanto, nesta sociedade os trabalhos pesados cabem às mulheres, que se supõe estarem “naturalmente” dotadas com cabeças especialmente fortes para esse fim. Segundo Margaret Mead, a falta de agressividade dos Arapesh explica-se pela prática do desmame tardio e pelo facto de qualquer criança poder ser amamentada indiferentemente por qualquer mãe capaz de aleitar, quer seja a sua, quer não. No seu livro, Margaret Mead compara os Arapesh com os Mundugamor, uma tribo de caçadores de cabeças, recentemente “pacificada”, que habita uma zona não muito distante da ocupada pelos Arapesh. Ora entre os Mundugamor a agressividade é uma característica fortemente acentuada, quer dos homens, quer das mulheres, e manifesta-se com igual intensidade nos dois sexos. Daí que, por exemplo, o acto sexual assuma aspectos de um verdadeiro combate entre o homem e a mulher, do qual ambos saem molestados. Procurando explicar este tipo de comportamentos, Margaret Mead – recorrendo, tal como no caso dos Arapesh, a elementos extraídos das teorias psicanalíticas –, relaciona-os com a forma como as crianças Mundugamor são tratadas, referindo nomeadamente que são objecto de uma extrema desatenção, que os adultos lhes mostram muito pouco afecto e que não poucos primogénitos são afogados. Simplesmente, tentando ir mais a fundo da questão, julgamos necessário propor outra perspectiva para a abordar: a de que tanto as diferentes características (quanto à agressividade) dos Arapesh e dos Mundugamor como as suas diferentes maneiras de criar e educar os filhos estão relacionadas comas diferentes formas como as duas sociedades tiveram de obter os alimentos indispensáveis, o que para elas sempre constituiu uma preocupação constante, dado manterem-se ao nível da mera subsistência. Os Arapesh extraíam da terra, cultivando-a, a sua alimentação; historicamente, os Mundugamor obtinham-na, em grande parte, matando gente de outras sociedades vizinhas. A agressividade não aparece naqueles, mas é muito relevante nestes. Numa outra tribo estudada por Margaret Mead, a dos Tchambuli, alguns dos atributos frequentemente imputados aos homens e às mulheres nas nossas sociedades apreciam estar a inverter-se. Os homens enfeitavam-se, faziam intrigas, deixavam-se escolher pelas mulheres, cabendo a estas fazer as propostas sexuais, bem como assegurar todo o comércio de que a sociedade dependia, apesar de os homens produzirem muitos objectos comerciados. As mulheres mostravam-se dominadoras e agressivas, sendo entretanto comum a homossexualidade feminina. Tentando, uma vez mais, explicar estes comportamentos, Margaret Mead aponta o facto de as crianças do sexo feminino serem sempre tratadas sem aspereza e aduladoramente no interior do círculo das mulheres e de, pelo contrário, os rapazes serem rejeitados desde tenra idade, ficando como entregues a um desprezo geral durante bastante tempo e tornando-se assim indivíduos permanentemente inseguros e em constante busca de afecto. Porém, se de novo procurarmos aprofundar a questão, uma outra perspectiva se nos impõe para a abordar: os Tchambuli eram caçadores de cabeças; mas, por alguma razão ainda não identificada, que talvez haja sido o alto valor atribuído por outras tribos aos mosquiteiros que os Tchambuli aprenderam a fabricar, a caça de cabeças perdeu muito da sua antiga importância. Ora, dado que os homens se tinham especializado como caçadores de cabeças, a alteração ocorrida na divisão do trabalho na sociedade deixou-os sem uma posição claramente definida.
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